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CIDADE SITIADA

Quando o imperador Conrado III, lá pelos idos da Idade Média, determinou que do interior da cidade que sitiava só poderiam sair mulheres com o que pudessem carregar, não pode antever o inusitado: que elas sairiam daqueles muros, como saíram, com os maridos e os filhos nas costas.


Mas de onde tiraram força? Como conseguiram superar os limites de uma situação praticamente mortal? Diríamos... do desespero? Muitas qualidades podem nos fazer mais fortes do que quem ou o que nos oprime. O desespero pode sim ser o catalisador de um momento onde nos obrigamos a por à prova nossas soluções para a vida e para a morte.


Tenacidade, perseverança, ousadia, acreditar nas próprias contingências, são outras variáveis que mudam nossa vida em relação a um destino imediato. Toda vez que não atingimos um sonho, uma vontade, nos tornamos escravos do nosso fracasso. Toda vez que os revezes da vida nos vencem, uma pequena morte nos enterra. Estamos eivados de pequenos cemitérios!


Se a vida moderna têm-nos poupado de bárbaros sitiarem nossas cidades, (Oops!!! Há bárbaros sitiando nossas cidades! Mas isso é outro papo.) não é menos verdade que temos nos deixado derrotar por barbaridades menores; porque não temos encontrado soluções criativas para nossas desgraças. Talvez porque falte deixar nosso desespero agir.


Temos dificuldades em quantificar o que podemos suportar de maldade, de ignorância, de perdas sentimentais que nos assolam como desastres, como vulcões e terremotos, porque somos, cada ser humano, um planeta, uma Terra, sujeito aos humores estúpidos da natureza de cada um. Ao mesmo tempo, menosprezamos nosso poder de nos auto reciclar.


A tristeza e a melancolia enfeitam a inteligência como um poema, uma atitude caridosa. Mas, à sua maneira charmosa, é ainda a velha maldade operando, nos sitiando em nossa “cidade interna” que em breve se tornará nosso túmulo. Ou saímos com nossos amores nas costas, ou perecemos.


Transformar o desespero, o medo, a crença de que não há solução numa atitude criativa e racional é nosso principal desafio cotidiano. Colocar os sonhos no foco das nossas atitudes; recuperar o tempo perdido, ressurgir das próprias cinzas, incinerados que fomos por tudo que ergue muros para nos sitiar é dizer à vida: não vai ter golpe!


A vida é a poesia que o universo escreveu para uma só vivência. E o âmago desta poesia é: comover e persuadir. Então, o que falta para que nossa vida nos comova e nos convença?

Descobrirmos que é nossa, é um passo. E única, limitada, finita e sem post-mortem.

“Os prazeres leves são loquazes, as grandes paixões, silenciosas”, ensinou Sêneca. Fazer com que a vida seja sempre um desaguar de grandes paixões tem a ver com o silêncio necessário para transformar o desespero em poesia. Não é para qualquer um. Tem a ver com carregar seus amores nas costas à beira de uma cidade condenada. Tem a ver com afrontar o sitiante arriscando morrer.


Tem a ver com olhar para fora dos muros. Tem a ver com o fato de levar uma vida poética em detrimento de uma vida burocrática.


Tem a ver como aquelas mulheres medievais: viver com seus amores ou não viver! Tanto em relação às nossas pequenas mortes cotidianas quanto à definitiva.


Crônica publicada no Jornal Ibiá em 14 de abril de 2016


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