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Foto do escritorPedro Stiehl

PAI, POSSO CHORAR?

Quando o filho era pequeno, o pai teve que levá-lo várias vezes para tomar injeção. Ao ponto do menino reconhecer a situação já no portão da casa da enfermeira. Ao expor as nádegas à agulha, ele perguntava: Vai doer? Vai, o pai respondia. Então ele fazia a pergunta crucial: posso chorar? Pode, claro. E chorava antes da dor.


Como a vida é uma roda na qual um dos lados viceja enquanto o outro definha, assim pai e filho rodaram nos lados opostos de um mesmo circulo. Enquanto o filho ganhava o mundo, o pai o perdia. Na arte de perder o mundo buscava, pelo menos, não perder o filho. Não que quisesse fazer dele uma extensão de seus sonhos e desejos, o que sempre é um crime contra o destino de um filho. Mas queria que o baralho da vida lhe indicasse um caminho.


Porque tudo na vida é um caminho. Achar um e haverá um ponto futuro.

E no imenso andar que há para pai e filho se amarem, o pai propõe. Às vezes impõe. E nem tudo o filho considera. Justo porque sua roda gira para outro lado. Mesmo que haja amor na bagagem de impor e amizade na mala de propor, mesmo assim tempos descontínuos nem sempre harmonizam pessoas. Enquanto um diz baseado no que foi, o outro escuta baseado no que será. Esta dicotomia entre tempos é amenizada às vezes com uma carícia nos cabelos, um abraço, um consolo na hora da tristeza.

Pais e filhos quando se descompreendem pode ser para sempre. Mas não eles, não este pai e este filho.


Enquanto o tempo fazia seu papel de tempo, eles brincaram juntos na sala, jogaram bola juntos na grama do Centenário desde os primeiros passos; depois o pai ajudou nos temas e ensinou uns acordes Led Zeppelin ao violão. E no momento certo, propôs ao menino trabalhos e profissões. Muitos passos foram trilhados entre o brincar de super-heróis com o filho até o orgulhar-se de ver o então rapaz feliz no seu primeiro emprego.

Neste mesmo lapso de tempo, o menino admirou-se do pai, depois ficou com raiva dele porque o julgou injusto. Porque acreditou que ele lhe exigia demais. Depois, ensinou-lhe algo que não sabia de informática. Ensinou uns solos de uma música de Nando Reis.


Confessou desejos. Depois riram juntos, como os amigos de anos riem. E se abraçaram. Caminharam até o Café Comercial para comerem um pastel. E foram pai, filho e amigos.

Mas a roda continuou girando, e não tardou a ser dentada, moendo o que restava da vida do pai. Não é de repente que envelhece. Mas só quando está velho é que todos percebem. Se ganhou sabedoria (o que é relativo e inseguro), perdeu força. O filho, potente, avança sobre o mundo. Se ganha sabedoria é também relativo e inseguro. Mas ganha força.


Então o pai adoeceu de vez. Assim que a enfermeira abria a porta do quarto, punha no rosto um sorriso constrangido, como quem se sabe impotente, como quem tem vergonha da nudez, como quem acha o fim da picada uma estranha, uma mulher, limpar-lhe a bunda.

Todo pai teve um pai. Nem todo filho, será um. Naquele momento ele precisa somente ser pai de seu pai.


Tu tá bem, pai? Tô não, filho. Ah, mas tu é forte. Ah, sou! Tu fez da tua vida uma passagem tão rica. Fiz, fiz sim. Ela vai te dar uma injeção. Eu sei; Vai doer! Vai, pai. Ela baixou o pijama dele...


... então os dois deram-se as mãos e um silêncio profundo uniu os olhos marejados do pai aos olhos firmes do filho.


Crônica publicada em 07 de abril de 2016


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